Mais médicos, menos qualidade

ESTADÃO • 22 de abril de 2025

Fonte da Notícia: ESTADÃO
Data da Publicação original: 16/04/2025
Publicado Originalmente em: https://www.estadao.com.br/opiniao/mais-medicos-menos-qualidade/

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Se ainda restava alguma dúvida sobre os perigos do crescimento desenfreado dos cursos de Medicina no Brasil, os recentes números divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) ajudam a dissipá-la. Anunciados na sexta-feira (11/4), os dados mostraram indicadores de qualidade do ensino superior brasileiro, incluindo o Conceito Preliminar de Curso (CPC), índice que avalia as graduações por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o corpo docente, a infraestrutura e os recursos didático-pedagógicos. No caso da formação médica no País, o retrato da qualidade é desanimador.

Foram avaliados 31 mil concluintes de 309 cursos de Medicina de todas as regiões. As notas do CPC variam de 1 a 5, sendo as notas 4 e 5 aquelas consideradas adequadas para graduações como Medicina. Somente 40,4% obtiveram tais notas. Apenas 4,7% dos cursos privados alcançaram a nota máxima. Cerca de 27% dos cursos de faculdades privadas – terreno onde prosperou o enorme salto quantitativo dos últimos anos – obtiveram notas 1 e 2. Nas universidades públicas, esse índice foi de 6%. A maior parte das graduações avaliadas (50,5%), entre públicas e privadas, atingiu nota 3, considerada regular. Os números são desalentadores também quando comparados ao passado recente: em 2019, as piores notas foram obtidas por 13% dos cursos, ante os 20% atuais.

Ainda que indicadores como o CPC e exames como o Enade sejam hoje objeto de críticas e estejam sob revisão, sua defasagem tende a minimizar, e não potencializar, as fragilidades das avaliações e dos cursos. Em outras palavras, é possível imaginar, por exemplo, que os resultados poderiam ser ainda piores se os indicadores levassem em conta dimensões mais compatíveis com o presente, como a adequação ao mercado de trabalho e a pesquisa. Mas passemos. Por ora, o que salta mesmo aos olhos é o fato de que a modéstia dos resultados se mostra inversamente proporcional à notável expansão de vagas, sobretudo no ensino privado.

Em 1990, havia 78 faculdades de Medicina no Brasil. Em 2020, já eram 357. Hoje o Conselho Federal de Medicina contabiliza 389 cursos. Há dois anos, um levantamento da USP mostrou que 90% das vagas abertas na última década estavam no setor privado – incentivado, primeiro, pela lei que criou o Programa Mais Médicos e, depois, por uma chuva de liminares, que permitiu abrir escolas mesmo durante a proibição, pelo governo, da abertura de novos cursos por cinco anos. A porteira foi reaberta justamente em 2023. Com o número atual de concluintes, o Brasil exibe uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes, o que nos coloca à frente de países como Estados Unidos, Japão e China.

Em tese, tamanho avanço seria uma excelente notícia para um país repleto de carências na saúde. Só em tese, porque, na prática, o Brasil assistiu, praticamente inerte, à continuidade de dois males tão longevos quanto perversos: a desigualdade na distribuição dos profissionais e a má qualidade do atendimento à saúde. Em contrapartida, há sinais não só da formação precária nos cursos abertos, como também de outros problemas como oferta de vagas em locais sem estrutura mínima ou avaliação correta das condições de ensino, ou mesmo ausência de laboratórios modernos, corpo docente competente e qualidade dos estágios práticos.

É há os preços abusivos. Recentemente, o ministro da Educação, Camilo Santana, chegou a questionar os valores praticados pelo ensino privado. Como a estrutura do MEC é reconhecidamente deficiente para regular e fiscalizar a qualidade e sua incompatibilidade com os valores cobrados, o ministro tem defendido a criação de uma espécie de agência reguladora para o ensino superior privado, prevendo um novo instituto que que responsável pelas avaliações. Essa ideia ainda carece de avanço num governo que reconhecidamente é avesso a agências reguladoras. Mas a pasta também estuda mudanças na forma como os cursos da área de saúde serão avaliados in loco.

Que os números radiografados agora reforcem a convicção nacional sobre o tamanho do problema – e a necessidade de máxima urgência para enfrentá-lo.


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