Celular na aula deve ser discutido nas IES

REVISTA ENSINO SUPERIOR • 05 de fevereiro de 2025

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
Data da Publicação original: 29/01/2025
Publicado Originalmente em: https://revistaensinosuperior.com.br/2025/01/29/celular-na-aula-deve-ser-discutido-nas-ies/

Biquini é uma banda de rock brasileira anteriormente conhecida como Biquini Cavadão, e que foi formada em 1985 no Rio de Janeiro. Sua primeira composição foi “Tédio”, uma canção que integrou o primeiro álbum da banda, lançado em 1986. Álvaro, Bruno, Miguel e Sheik, foram nevrálgicos e atemporais, ao escrever: “…sentado no meu quarto o tempo voa, lá fora a vida passa e eu aqui à toa, eu já tentei de tudo, mas não tenho remédio pra livrar-me desse tédio.” Sem celulares, sem internet e sem redes sociais. Sem dúvida alguma, o tempo para aqueles jovens era outro, mas, ainda que a régua que possibilitaria medir esse sentimento enfadado de espera não seja mais a mesma, o tédio se perpetuou e a nossa tolerância ao tédio diminuiu.

Na década de 1990, visitando o comércio que meu pai trabalhava, lembro de ter contato com um dispositivo eletrônico chamado pager ou “bipe”, como eu o chamo até hoje. Meu pai era proprietário de uma distribuidora de água mineral engarrafada e os bipes foram uma revolução tecnológica. Lembro que cada entregador da empresa ficava com um dispositivo. Quando por telefone fixo um cliente solicitava uma entrega, meu pai anotava, ligava para a central do pager passando o recado, e o(a) colaborador(a) da central transcrevia a mensagem em texto e a enviava ao colaborador responsável pela entrega do garrafão de 20 litros d’água da empresa de meu pai. Incrível, como, de fato, a tecnologia de envio de mensagens de texto e o sistema de telefonia móvel nos auxiliou.

O fato é que a evolução tecnológica nem de longe se compara à complexidade das relações e evolução humana que é lenta, adaptativa e sofre diretamente as consequências desse tsunami tecnológico. Os smartphones, a internet, o fácil acesso ao mundo, as coisas deste mundo e as redes sociais iniciaram uma era de evolução humana adaptativa difícil de prever as consequências e novas habilidades cognitivas que surgirão e estão em desenvolvimento. Nós, docentes da contemporaneidade, certamente, não conheceremos o resultado disso tudo. Entretanto, sendo impossível impedir esse processo, cabe aos professores e instituições de educação superior, não somente se preparar, mas auxiliar na estruturação desse futuro mais imediato – dessa transição – que na minha visão, é a mais traumática.

Não somente eu, mas muitos professores e IES têm investido tempo na produção de conteúdos sobre a importância de se regular o uso e as aplicações da inteligência artificial (IA) na educação e pesquisa, e talvez o tempo para isso seja exatamente esse com a recente popularização da IA generativa de texto e outros. Porém, smartphones e todas as suas funcionalidades já deveriam ter sido reguladas há muito tempo, não fosse esse tsunami tecnológico que supera a todos(as) nós. Assim, se nossas crianças e adolescentes estão adoecendo e doentes com o uso dessas tecnologias, os nossos jovens adultos também estão – se você é gestor(a) de IES, coordenador(a) de curso, docente, enfim, deve concordar comigo.

A globalização tornou nossa sociedade dependente de tecnologias que, se escancarando nos smartphones, internet e redes sociais, reduziu nossa atenção a um dispositivo eletrônico móvel e nos fragilizou demais. Menos resistentes ao tédio, desconhecedores do ócio, imediatistas e sedentos por curtidas, visualizações ou qualquer outra coisa que encharque rapidamente nosso cérebro com dopamina. Assim, caro professor e professora, não se trata somente de aulas monótonas e não desafiadoras, mas de uma concorrência desleal chamada “vida na internet”. Os efeitos em sala de aula seriam outros se, evoluídos como estamos, estivéssemos ainda na era do Nokia Snake.

Assim, entendendo os benefícios e a complexidade que será a implementação da proibição do uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais no ensino básico público e privado, é preciso que gestores e IES reflitam sobre a possibilidade de, não proibir, mas regular o uso desses dispositivos como parte da política de desenvolvimento de competências e preparo para o mercado de trabalho. Afinal de contas, uma coisa é dominar conhecimentos e habilidades em tecnologia, outra é ser refém desses dispositivos em sala de aula, ambientes de estágio e no próprio trabalho.

A falta de regulação no uso de IA generativa e de smartphones na educação superior deixará mais e mais docentes e estudantes sobrecarregados, suscetíveis ao adoecimento, suscetíveis ao empobrecimento das relações interpessoais e suscetíveis à fragilização das práticas de ensino e aprendizagem dependentes ou não de tecnologia.

*Éric Diego Barioni é coordenador do curso de graduação em biomedicina na Universidade de Sorocaba (Uniso), biomédico, mestre e doutor em ciências na área de toxicologia, educador e pesquisador.


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