Empregabilidade versus Tecnologia e os desafios numa era disruptiva

JORNAL DO COMERCIO • 04 de novembro de 2024

Fonte da Notícia: JORNAL DO COMERCIO
Data da Publicação original: 26/10/2024
Publicado Originalmente em: https://digital.jc.ne10.uol.com.br/edicao?ed=2107&materia=78497

Empregabilidade versus Tecnologia: O Desafio das Universidades, do Mercado e do governo para manter o emprego e renda em uma era de tecnologia disruptiva.

As Inteligências Artificiais (IAs) deixaram os laboratórios, as telas do cinema e invadiram nosso cotidiano. Não se trata mais de algo futurista. É uma realidade que está em nossa casa, nos escritórios e permeando todas as instituições que dirigem a economia global. Tudo avança de forma muito rápida. Em um passado não muito distante, quando se falava em Inteligência Artificial, a referência era apenas os algoritmos que indicavam um filme ou produto de acordo com as preferências. Agora, as IAs já substituem profissionais com tarefas repetitivas e padronizadas. Em breve, poderão substituir profissionais em tarefas complexas. Aí é que está a virada de chave - e o grande sinal de alerta.

Os robôs, os chatbots, a automação e as IAs generativas já reconhecem padrões de movimento, de comportamento e até linguagens complexas, podendo fazer quase tudo que o ser humano faz. As máquinas, que aprendem 24 horas por dia, em breve, desafiarão os mais experientes profissionais. E não há como escapar dessa evolução. O principal impacto deste fato está, justamente, no mercado de trabalho.

A literatura disponível indica que milhões de empregos podem ser substituídos por máquinas e algoritmos. No livro “Novas Tecnologias versus Empregabilidade”, Erick Brynjolfsson e Andrew McAfee trazem uma perspectiva crítica sobre como a inovação tecnológica não apenas cria oportunidades, mas também coloca em risco a empregabilidade de milhões de pessoas ao redor do mundo, principalmente pela substituição dos trabalhadores em uma série de profissões e pela dificuldade de absorção dos profissionais nas novas funções geradas. É por este motivo que, no livro “What to do When Machines do Everything”, Malcom Frank, Paul Roehrig e Bem Pring alertam que a readequação da força de trabalho é imperativa.

Pensar criticamente como podemos explorar as nuances do impacto das novas tecnologias e da robótica sobre o mercado de trabalho é um desafio diário e prioritário. Este cenário deve ser analisado sob uma ótica mais realista e preocupada com a velocidade da automação, uma vez que a transição entre empregos obsoletos e novas ocupações será devastadora e não ocorrerá de forma suave. Muitos trabalhadores, especialmente em setores de baixa qualificação, podem ser excluídos permanentemente do mercado de trabalho, aumentando as desigualdades sociais.

Estudos recentes da FGV apontam que cerca de 54 milhões de empregos no Brasil estão em risco de automação nas próximas décadas. Já o relatório do Banco Mundial indica que, aproximadamente, 55% dos empregos no Brasil são suscetíveis à automação em graus variados, com maior impacto em trabalhadores sem ensino superior. Em uma análise mais detalhada, a Coppe/UFRJ aponta que mais de 9 milhões de empregos estão sob alto risco de serem substituídos por máquinas nos próximos anos, principalmente em setores como transporte, varejo e manufatura.

Diante desse cenário, as universidades brasileiras devem se adaptar rapidamente à flexibilização, atualização e revisão dos currículos e das metodologias. Não se trata apenas de criar cursos voltados para as áreas de Tecnologia da Informação ou Engenharia, mas de integrar ao conteúdo de todos os cursos e áreas de conhecimento disciplinas tecnológicas que abordam IA, automação TI e empreendedorismo.

No mundo automatizado, qualquer profissional precisará ter algum nível de entendimento sobre Inteligência Artificial, automação e programação básica, independentemente da sua atuação. A demanda por profissionais qualificados em áreas tecnológicas está crescendo rapidamente, mas, em comparação com sua necessidade, o Brasil ainda forma poucos engenheiros, cientistas de dados e profissionais de TI.

Por isso, é necessária uma política pública que incentive as universidades a estimularem o aumento do número de alunos em cursos como Engenharia, Ciência da Computação, Machine Learning, Sistemas de Informação e áreas afins. É preciso garantir que esses cursos estejam alinhados com as últimas tendências tecnológicas, incluindo automação, Inteligência Artificial e cibersegurança.

Além das competências técnicas, as chamadas soft skills (habilidades socioemocionais) e a inteligência cultural estarão no centro dessa transformação.. Criatividade, saber trabalhar em equipe, adaptabilidade, pensamento crítico e capacidade de entender e resolver problemas complexos serão diferenciais importantes em um mercado onde as máquinas realizam tarefas operacionais e repetitivas. A capacidade de trabalhar efetivamente em ambientes multiculturais será uma vantagem competitiva significativa em praticamente todos os setores. se tornarão cada vez mais valiosas essas habilidades, ao contrário das funções técnicas, são difíceis de automatizar e, por isso, se tornam um diferencial competitivo.

Outro ponto: empreendedorismo e inovação são fundamentais e devem ser desenvolvidas ao longo do currículo. Integrar as disciplinas de tecnologia e inovação em todos os cursos, independentemente da área de conhecimento, é outra estratégia que precisa se tornar realidade. Além disso, todos os estudantes devem ser preparados para lidar com IA, automação, análise de dados e programação básica.

Outro aspecto fundamental para as universidades é aproximar-se do setor privado. Parcerias com empresas de tecnologia e inovação são fundamentais para oferecer aos estudantes uma visão prática das demandas reais do mercado. Programas de estágio, trainee e projetos de pesquisa conjuntos são ótimos caminhos para garantir que os alunos saiam com experiências relevantes e atualizadas. As universidades também podem fornecer apoio em incubação e aceleração de startups, ajudando estudantes e graduados a lançarem suas próprias empresas.

Porém, apenas as mudanças nas universidades e escolas para preparar os novos profissionais não serão suficientes. Para enfrentar os problemas iniciais e a transição entre aumento de desemprego e a requalificação dos trabalhadores afetados é imperativo repensar as políticas públicas de renda mínima e proteção social que garantam a subsistência, a dignidade, o bem-estar e a inclusão social dos trabalhadores que perderam seus empregos enquanto eles passam pelo processo de requalificação para se habilitarem a ocupar novas funções. Essas políticas podem ajudar a reduzir as desigualdades sociais e evitar que milhões de brasileiros fiquem permanentemente excluídos do mercado de trabalho.

Muitos brasileiros em funções de baixa qualificação têm dificuldades em acessar ferramentas digitais. Programas governamentais, universitários e de empresas privadas devem focar em levar competências digitais básicas a este público. A alfabetização digital é o primeiro passo para que essa população possa participar da nova economia.

Para isso, a formação profissional deverá ser direcionada com a criação de cursos técnicos e profissionalizantes em programas como o Pronatec, que já foi oferecido pelo governo, ofertando, em parceria com as universidades, cursos voltados para as áreas de alta demanda, como mecânica, mecatrônica, eletrônica, TI, robótica, energias renováveis e engenharias, de forma a atender os trabalhadores mais vulneráveis. Ações desse tipo serão essenciais para ajudar a força de trabalho a migrar para novas ocupações. Esses programas devem ser acessíveis e adaptados para trabalhadores de todas as idades e origens.

A reinvenção das escolas e universidades, focada em tecnologia, empreendedorismo, requalificação e educação continuada, é essencial para preparar os profissionais para o futuro. Por isso, a combinação estratégica entre educação, inovação e políticas de proteção social será essencial para garantir que essa revolução tecnológica crie oportunidades ao invés de exclusão. O futuro do trabalho dependerá não apenas de nossa capacidade de adaptação, mas também da nossa habilidade de garantir que ninguém seja deixado para trás nessa transformação.


Restrito - Copyright © Abrafi - Todos os direitos reservados