Novos andamentos na ADC 81: um resumo crítico

JACOBS CONSULTORIA • 13 de maio de 2024

Fonte da Notícia: JACOBS CONSULTORIA
Data da Publicação original: 11/05/2024
Publicado Originalmente em: https://www.jacobsmonteiro.com/post/andamentos_maio

Em 9 de maio de 2024, ocorreram movimentações significativas no processo sobre abertura de cursos de medicina no STF:

a) O Ministro Alexandre de Moraes devolveu o caso para julgamento após pedido de vistas;

b) Visando evitar autorizações judiciais para abertura de vestibulares, a AGU solicitou, em nova petição, a suspensão dos processos judiciais por 120 dias;

c) Uma das instituições citadas protocolou documento questionando a petição como uma tentativa de estabelecer uma “nova moratória”.

A primeira movimentação era previsível. No final do mês de maio venceria o prazo de vistas e o processo teria de ser devolvido antes desse momento. Com a liberação do voto - que ainda não é público - a ADC 81 tem julgamento virtual marcado para o período de 24 de maio a 4 de junho. Na primeira data todos terão conhecimento do voto proferido pelo Min. Alexandre de Moraes e, nos dias posteriores, os 4 ministros que até agora não se manifestaram devem votar ou, alternativamente, solicitar novas vistas, por um período de até 90 dias corridos.

O segundo movimento é surpreendente e tecnicamente discutível. A petição da União pede que “…seja determinada a suspensão dos processos judiciais pelo prazo de 120 dias, assim como a suspensão das decisões judiciais que tenham por objeto os processos administrativos pendentes. Este pedido, pretensamente novo, é justificado em virtude do risco que, segundo a União, decorre dos vestibulares de medicina permitidos por decisões judiciais.

No documento, entretanto, não foram mencionados fatos importantes, como o lapso absurdo de 8 meses já transcorridos desde a primeira decisão do Min. Gilmar Mendes, que, agora, a União pede mais 120 dias para cumprir. A situação é digna de nota, pois a petição da União sugere que há um trabalho incessante para cumprir a cautelar de agosto de 2023. No entanto, nenhum processo foi decidido no período entre aquela decisão e abril de 2024. Essa inação levou o próprio STF a determinar, em dezembro de 2023, o respeito ao princípio do prazo razoável.

Foi omitido, também, o fato de que a União já tentou cassar os vestibulares no STF e perdeu. Duas reclamações foram propostas e rejeitadas. Esses processos geram um efeito denominado conexão (necessidade de reunir casos com pedidos interdependentes), tornando irregular a tentativa de fazer o mesmo pedido em outros processos judiciais.

O problema, em casos assim, é que podem existir decisões conflitantes. Em relação aos processos de medicina, as Reclamações já possuem decisões, dessa forma a questão agora é a possibilidade de uma decisão divergente na ADC 81.

Em suma, as Reclamações decidiram que a abertura de vestibulares é fruto da inércia da União e “essa específica questão não foi e não poderia ser tratada no processo vinculante”, ou seja, as ordens judiciais sobre vestibulares não poderiam e não deveriam ser tratadas na ADC 81. Nesse sentido, é didático o texto da análise feita na Rcl 66.439-DF, que afirma:

...os elementos dos autos apontam quadro de sistemática e renitente mora do ente central na apreciação do pedido formulado pela instituição beneficiária, mesmo após a prolação de sucessivas decisões cautelares — a primeira remonta a 2022 — a determinarem a análise do requerimento. Lembro que o ordenamento pátrio autoriza, em situações como tais, a adoção de medidas subrogatórias para alcançar, mesmo sem a colaboração do demandado, o cumprimento de ordens judiciais (CPC, art. 139, IV).

Nesse passo, a controvérsia jurídica ora em debate relaciona-se menos com o cumprimento de diretrizes fixadas no provimento cautelar da ADC 81 e mais com a resistência da reclamante em cumprir as sucessivas decisões cautelares proferidas no processo de origem. Essa específica questão não foi e não poderia ser tratada no processo vinculante, razão pela qual inexiste aderência estrita entre as temáticas. (Trecho da decisão monocrática do Min. Nunes Marques, na Rcl 66.439-DF, grifamos)

A argumentação é clara e será conflitante com qualquer julgado que, eventualmente, analise o tema no âmbito da ação constitucional. Afinal, a decisão elaborada pelo Min. Nunes Marques afirma que a ADC 81 não é o espaço para discutir as medidas sub-rogatórias. Eis aí a prova de que omissão na petição da União é muito relevante.

Por fim, o uso da ADC para tratar de casos concretos – nos quais foram sopesados fatos como atrasos injustificados, avaliações qualitativas e decisões judiciais bastante específicas – criou um efeito indesejável. A nova petição da União imediatamente atraiu para a jurisdição de controle abstrato e concentrado da constitucionalidade o interesse de Instituições que precisam narrar esclarecer fatos sobre seus processos. Nesse sentido, já há uma petição protocolada por uma faculdade, que desqualifica dado usado pela União e acaba expondo o risco de ampliar indevidamente o debate.

Necessário dizer que iniciativa da faculdade está corretíssima e que questionável é ato da União de tentar alargar a jurisdição. Esta tentativa veio depois das derrotas nas Reclamações e tenta criar um enredo segundo o qual na qual o Poder Judiciário é um vilão, que autoriza vestibulares sem qualquer fundamento, e União é uma entidade que se esforça para cumprir a decisão cautelar do STF. Essa estória, porém, é só uma narrativa conveniente.

Além das omissões já mencionadas, este enredo de conveniência também omite que os cursos que tiverem medidas coercitivas já foram positivamente avaliados e que a União permaneceu inerte enquanto vestibulares e matrículas eram efetivados. Não bastasse isso, há uma inversão valores, pois a União trata os estudantes já matriculados como um motivo para travar os cursos e não como um fato consolidado, digno de proteção.

Essa conduta é bastante discutível, ofendendo não só a lei, como a também a boa-fé processual, o dever de lealdade e principalmente a justiça. Se antes era comum o sentimento de que advogados deveriam usar todo tipo de ardis para defender seus clientes, hoje o Código de Processo Civil prevê que as partes “devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (art. 6º). E nesse novo contexto as partes devem “cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais” sem criar “embaraços à sua efetivação” (art. 77, inciso IV). Diante dessa nova realidade, uma petição que omite dados importantes e negligencia o que já foi decidido sobre o assunto é, no mínimo, questionável.

Infelizmente, ainda é comum o uso de estratégias assim para ganhar tempo para o cliente. Todavia, na prática, neste caso concreto, a União, que certamente tem a melhor das intenções, não se dá conta de que a razão de toda a discussão judicial após a cautelar do STF é, exatamente, o exagerado tempo de análise dos processos administrativos. Daí a inconveniência de uma “nova moratória”.

Em face desse panorama, a melhor escolha para a União seria constatar os erros cometidos e cumprir as ordens judiciais. O caminho, agora, é deixar de lado o que a Reclamação chamou de resistência no cumprimento das cautelares e o ideal é fazer isso rápida e resignadamente, evitando novos percalços e entendendo que meses de atrasos e descumprimento judicial sempre podem ter consequências.


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