BLOGS O GLOBO • 28 de junho de 2022
Fonte da Notícia: BLOGS O GLOBO
Data da Publicação original: 27/06/2022
Publicado Originalmente em: https://blogs.oglobo.globo.com/capital/post/disputa-bilionaria-por-vagas-de-medicina-chega-ao-supremo-e-provoca-racha-entre-instituicoes-de-ensino-privadas.html
A disputa pelo lucrativo mercado de cursos de Medicina chegou ao Supremo, provocando um racha entre instituições privadas de ensino superior. Em jogo, a abertura de um mercado bilionário que tem as mensalidades mais caras do ensino privado, na casa dos R$ 7 mil a R$ 12 mil, e que está num limbo regulatório desde 2018, quando o Ministério da Educação proibiu, por cinco anos, a abertura de novas vagas por meio de editais do Mais Médicos.
No início de junho, a Anup (Associação Nacional de Universidades Privadas) — que tem entre seus principais associados a Afya, Cogna/Kroton e YDUQS — entrou com uma ação no Supremo para tentar barrar a tramitação de uma centena de pedidos de liminar espalhados por tribunais de todo o país demandando que o MEC retome o processo de avaliação de pedidos de abertura de novas vagas.
As três empresas estão entre as entidades de ensino superior que mais possuem vagas de Medicina, sendo que a Afya é especializada na área.
A Anup defende a retomada dos editais do Mais Médicos, restringindo as vagas para municípios específicos, enquanto a grande maioria das entidades de ensino privada, representada em outras associações como Anaceu e Abrafi, defende a reabertura dos protocolos do MEC — sem restrições que não seja de qualidade dentro dos processos avaliativos existentes no ministério, como estabelecido na Constituição.
— Da forma como é colocado, parece que as instituições estão obtendo autorizações judiciais para abrir vagas. Não é isso. Estamos solicitando que o MEC tramite processos autorizativos. Uma vez que se obtenha a liminar, o processo entra na tramitação ordinária, com todos os instrumentos de avaliação e pressupostos de qualidade. E que podem ou não resultar na autorização — diz Arthur Sperandeo de Macedo, presidente da Anaceu (Associação Nacional de Centros Universitários).
— Somos a favor da livre iniciativa. Não faz sentido bloquear o acesso a um determinado curso, ainda mais na área de Medicina, com a pandemia demonstrando a falta de profissionais — completa Macedo, lembrando que em nenhuma outra especialidade de ensino superior há restrição de abertura de vagas. No Direito, a restrição se dá pelo exame da Ordem (OAB).
A ação da Anup — entidade presidida por Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Economia — conta com apoio das entidades de classe médicas e da bancada da Medicina no Congresso e surpreendeu até mesmo associados da própria Anup pela celeridade. A entidade convocou os associados no dia 3 de junho para uma assembleia no dia 6 para deliberar sobre entrar ou não com a ação no Supremo. No dia 8, o pedido de liminar, com 59 páginas assinado pelo escritório de advocacia de Sergio Bermudes, já estava protocolado no STF. A demanda foi distribuída para o ministro Gilmar Mendes, que ainda não se manifestou.
Desde o início do ano, três entidades de ensino superior conseguiram liminares para obrigar o MEC a avaliar pedidos de abertura de 403 vagas. Entre elas, a UniFTC, da Bahia, recém adquirida pelo fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, e que obteve o direito de solicitar 199 vagas adicionais para seu campus em Feira de Santana, onde uma mensalidade custa R$ 11,2 mil. O Centro Universitário Dom Bosco, de São Luiz, conseguiu o direito a solicitar a abertura de 84 vagas. E a Sociedade Rondoniense de Ensino Superior Dr. Aparício Carvalho de Moraes, de 120 vagas.
Até 2013, quando a Lei dos Mais Médicos estabeleceu critérios para a abertura de vagas em municípios específicos, não havia restrições para pedidos além de critérios de qualidade estabelecidos pelo MEC. Na prática, contudo, o ministério não permitia a abertura do protocolo de pedidos de vagas para Medicina pelo site. Faltava o campo “Medicina” entre as opções no sistema — o que era entendido no setor como uma limitação velada e influenciada pelo corporativismo das entidades médicas.
Em 2013, diante da falta de médicos em diversas regiões do país e enfrentando muita oposição da classe médica, o governo Dilma contornou a resistência para a abertura de novas vagas introduzindo processos licitatórios, exclusivamente para alguns municípios onde o déficit de médicos em relação à população era mais crítico. Em abril de 2018, o MEC do ministro Mendonça Filho suspendeu quaisquer novos editais do Mais Médicos por cinco anos, baseado em um estudo do próprio MEC questionando a qualidade dos novos cursos.
— Se autorizaram a criação de cursos de baixa qualidade, você resolve fechando esses cursos ou determinando que sejam feitas melhorias. Isso não justifica uma moratória proibindo a abertura de novos cursos no país inteiro— diz um executivo do setor que defende a liberdade do setor de abrir novas vagas, como em qualquer outra área de especialização.
O Brasil possui 500 mil médicos, uma relação de 2,38 por mil habitantes — número que está acima do mínimo recomendado pela OMS, de 1:1000, mas abaixo de Argentina, com 3,86, e de países europeus como Alemanha (3,89) ou Portugal (4,1). Além disso, o número médio do país esconde uma enorme desigualdade, com o Estado de São Paulo sozinho concentrando quase 28,6% dos médicos em atividade no país.